Pioneiros do ensino de Artes no PR
(Um
pouco da história das artes no Paraná)
OS
PIONEIROS DO ENSINO DA ARTE NO PARANÁ
(Dulce
Osinski é mestre em Educação e professora do Departamento de Arte
da UFPR)
A
introdução do ensino da arte no Paraná, assim como seus primeiros
passos no sentido de uma evolução, encontraram na Curitiba da
segunda metade do século XIX alguns fatores facilitadores.
Entretanto, as dificuldades decorrentes da falta de infra-estrutura e
do movimento cultural incipiente exigiram espíritos fortes os quais,
não se curvando aos primeiros percalços, pudessem levar adiante
empreendimentos ousados.
O
transporte e a comunicação eram os maiores problemas para que as
iniciativas relacionadas ao meio artístico pudessem ter
conseqüência. Apenas com a Emancipação Política do Paraná, em
1853, teve início uma mudança significativa nesses aspectos. Mesmo
assim, a estrada da Graciosa só foi concluída em 1873, e a
inauguração da estrada de ferro Curitiba Paranaguá deu-se apenas
em 1885.
Com
relação à educação, caminhava-se a passos lentos no período
considerado. Faltavam prédios escolares, os professores eram mal
preparados e praticamente não se podia contar com recursos
financeiros e materiais. Os métodos arcaicos de ensino, pouco
relacionados com a vida prática das pessoas, também contribuíam
para o esvaziamento das salas de aula. Em 1890, contando o Paraná
com cerca de 250 mil habitantes, somente 3.800 estavam matriculados
em escolas públicas. (CARNEIRO, 1963, p. 336). O ensino secundário,
criado por força de lei em 1846, representado pelo Liceu de Curitiba
e pela Escola Normal, fundada em 1876 para suprir a demanda de
professores na região, também teve, em seus primeiros tempos de
existência, poucos interessados.As primeiras manifestações artísticas, por uma razão de facilidade de acesso geográfico, se deram com mais ênfase na região litorânea do Estado. É de Paranaguá a primeira pintora nascida no Paraná, Iria Correia, e lá se tem registro das primeiras manifestações relativas ao ensino da arte em nosso Estado. Iria Correia era aluna de Jessica James, a qual, fixando residência na cidade em 1849, abriu ali um colégio destinado ao ensino de meninas. Entre as matérias a ensinar, constavam a música e o desenho, considerados indispensáveis à educação feminina completa. Enquanto
no litoral paranaense já se podia observar uma certa atividade
regular nas artes plásticas em termos de produção e mesmo alguns
indícios de atividades docentes, na Curitiba de 1880 o que podemos
constatar é a visita de alguns artistas que estiveram de passagem
por essa região. Newton CARNEIRO (1980, p. 13) cita a presença de
retratistas ambulantes como Karl Papf, Hugo Calgan e Antonio
Ferrigno, entre outros. Não há registro, porém, que algum deles
tivesse se dedicado ao ensino da arte.
Não
obstante, a abolição da escravatura e a Proclamação da República,
entre outros acontecimentos, despertaram pouco a pouco a
intelectualidade paranaense para a necessidade de uma vida cultural
mais ativa. A fundação de clubes e sociedades, assim como a
disseminação dos periódicos impressos, foram determinantes para
que isso ocorresse de maneira mais incisiva. O surgimento, nesse
período, de inúmeros grupos musicais e revistas literárias nos dá
indícios de que as questões relativas às artes plásticas apenas
aguardavam o momento de serem levadas à baila. Seguindo uma
tendência nacional, em 1890 o Regulamento da Instrução Pública no
Paraná inseria conteúdos relacionados à arte no ensino oficial. É
interessante notar, porém, que essa iniciativa é posterior à
criação, por Mariano de Lima, de sua Aula de Desenho e Pintura,
estabelecida em Curitiba quatro anos antes. O citado
regulamento incluía o desenho com aplicação à indústria
e às artes e o desenho geométrico e de
ornamentos em seu conteúdo programático, demonstrando
sintonia com as idéias liberais e positivistas do reconhecimento do
desenho como um instrumento capaz de contribuir para o
desenvolvimento econômico e industrial do país.
Desta
forma, os primeiros passos da arte-educação em Curitiba não se
deram via instituições ou por meio do ensino oficial. Foram, antes,
frutos de iniciativas isoladas de pessoas que, interessadas pela
causa, deram a vida para verem seus sonhos concretizados.
Tampouco
foram personalidades da terra as primeiras a se preocuparem com as
questões artísticas em nossa comunidade. As iniciativas mais
significativas relacionadas ao surgimento de um processo organizado
de ensino de artes plásticas em Curitiba deram-se no interstício
que vai dos últimos vinte anos do século XIX até a metade do
século XX e partiram predominantemente de imigrantes, os quais, com
a experiência acumulada nos países de origem, trouxeram novas
idéias e a certeza da importância do lugar da arte no panorama
cultural de um povo. Destacaram-se entre eles, pela relevância de
seus empreendimentos, os nomes de Mariano de Lima, português que
aqui chegou em 1884; Alfredo Andersen, norueguês radicado em
Curitiba em 1902; Guido Viaro, italiano que fixou residência em
Curitiba em 1930 e Emma e Ricardo Koch, poloneses aqui chegados no
final dos anos 30. Embora haja um lapso de tempo entre os períodos
de suas atuações, cada um deles foi, como veremos adiante, pioneiro
sob um determinado ponto de vista, uma vez que o seu empenho pessoal
foi decisivo para importantes avanços conquistados.
O
ambiente familiar do sul do país, propiciado pelas colônias de
imigrantes que aqui se estabeleciam, aliado ao clima ameno do sul,
devem ter certamente contribuído para a decisão de nossos primeiros
arte-educadores de aqui permanecerem. Porém, nenhum deles fazia
parte de grupos organizados de imigrantes. Mariano de Lima, Alfredo
Andersen e Guido Viaro parecem ter sido guiados por um espírito
aventureiro, embora Viaro tivesse parentes imigrantes em São Paulo.
Emma e Ricardo Koch para cá vieram fugindo da iminência de uma
guerra mundial, mas sua escolha, ou seja, o sul do Brasil, deveu-se,
certamente, ao fato de terem conhecimento da existência de uma
população razoável de poloneses e descendentes nessa região.
Entretanto, todos eles chegaram a Curitiba isoladamente e se
diferenciaram dos demais imigrantes por seu nível cultural e
educacional.
Todos
esses quatro fundadores das bases para o ensino da arte em nossa
comunidade tiveram sólida formação artística em seu país de
nascimento, fosse ela formal ou informal. No entanto, a maioria deles
teve essa formação direcionada à produção artística, e não à
educação propriamente dita. Esse é o caso de Mariano de Lima,
Andersen e Viaro, que aqui chegaram como artistas, vindo a se
envolver com o ensino contingencialmente e encontrando, através da
prática, uma pedagogia artística pessoal.
Mariano
de Lima desenvolveu uma metodologia de ensino baseada em modelos
aprendidos em instituições do Rio de Janeiro e sofreu a influência,
tanto do neoclassicismo, corrente estética predominante na corte
naquele período, como das vertentes filosóficas do liberalismo e
positivismo, dominantes no Brasil de então. Esse modelo se baseava
predominantemente nas cópias de estampas bidimensionais e no
paradigma neoclássico da idealização de modelos e de temas
históricos e mitológicos. Sua chegada a Curitiba, aos vinte e três
anos, desencadeou um processo de desenvolvimento das artes plásticas
que, de certa forma, já se encontrava em estado latente, esperando
por uma oportunidade para se manifestar. Ao fundar em 1886 sua Aula
de Desenho e Pintura, a qual passaria a se chamar oficialmente Escola
de Belas Artes e Indústrias em 1889, Lima se afirmaria como pioneiro
pela iniciativa de constituir a primeira instituição oficial
dedicada ao ensino da arte no Paraná, segundo DIEZ (1995, p. 30),
a terceira escola brasileira do gênero, ao lado do
Rio de Janeiro e Salvador, a possuir ensino regular de arte. Essa
iniciativa teve influência do contato mantido por Lima com o
arquiteto Bithencourt da Silva, fundador e diretor do Liceu de Artes
e Ofícios do Rio de Janeiro, por ocasião de sua passagem por aquela
cidade.
A
Escola de Belas Artes e Indústrias do Paraná mantinha cursos nas
áreas de artes plásticas, música, arquitetura e artes aplicadas.
Em 1890 seu currículo passou a ser baseado no da Escola Nacional de
Belas Artes, do Rio de Janeiro, para que houvesse a possibilidade da
realização de convênios entre as duas instituições. O curso de
música passou a oferecer disciplinas como teoria musical,
solfejo, harmonia e contraponto e a parte prática dos mais
variados instrumentos orquestrais. Já na área das Belas Artes, os
cursos de pintura, desenho, arquitetura, gravura e escultura incluíam
em seu elenco disciplinas como desenho de figura e ornato,
arqueologia, mitologia e história da arte, algumas delas
remetendo claramente ao pensamento estético neoclássico. No que se
refere às artes aplicadas e industriais, notava-se no programa do
curso a presença de disciplinas como marcenaria, mecânica,
litografia, carpintaria, funilaria, encadernação e prendas
domésticas. Além disso, a escola também oferecia cursos
de línguas e ciências, destinados a
complementar a formação dos estudantes. Os cursos eram todos
gratuitos, havendo a preocupação de que muitos deles fossem
oferecidos no período noturno, o que evidenciava uma preocupação
com a formação de trabalhadores.
Graças
a Mariano de Lima, o Paraná teve as primeiras exposições
organizadas de arte que se tem notícia, as quais prepararam o
terreno para que acontecimentos como a participação da Escola de
Belas Artes e Indústrias como representante do Brasil na Exposição
Universal Colombiana, em 1893, e a realização da Exposição
de Belas Artes do Paraná no Rio de Janeiro, em 1896,
pudessem se concretizar. Além disso, Lima foi responsável pela
criação e veiculação do jornal A Arte, primeiro
periódico especializado no assunto de nosso Estado, e pela criação
da Pinacoteca Paranaense, a qual continha, em seu acervo, retratos
das personalidades de relevância do Estado. Por sua Escola passaram,
como professores, personalidades como Vitor Ferreira do Amaral,
Georgina Mongruel, Agostinho Ermelino de Leão e outros. Entre seus
alunos ilustres, podemos ainda citar os nomes dos escultores João
Turin e Zaco Paraná, expoentes da história da arte paranaense.
Enquanto
Mariano de Lima teve, desde suas primeiras ações, forte vínculo
com o ensino oficial e regular de arte, Andersen e Viaro foram buscar
na sua produção como pintores, aliás de grande importância
para a arte paranaense, os subsídios para sua prática docente.
Andersen vinha de uma sólida formação na Academia de Belas Artes
de Copenhague e já possuía experiência com o ensino de arte em
várias instituições de ensino em seu país de origem. É sua a
prerrogativa da criação, nos primeiros anos do século, do primeiro
ateliê livre de Curitiba voltado à formação de artistas, sua
Escola de Desenho e Pintura. Em suas aulas, Andersen imprimia uma
metodologia de ensino que diferia fundamentalmente das práticas
pedagógicas da Escola de Belas Artes e Indústrias de Mariano de
Lima. Influenciado pelas idéias impressionistas em seu trabalho
pictórico, o mestre incorporou também alguns de seus conceitos em
sua atuação didática, como a ênfase no naturalismo, traduzida
pela observação direta da natureza na busca da realidade
pictórica. Esse objetivismo visual era expressado por meio
de temas como paisagens executadas ao ar livre, estudos de naturezas
mortas e modelos vivos. Andersen foi responsável pela formação de
toda uma geração de artistas de talento, entre os quais figuram os
nomes de Lange de Morretes, Stanislau Traple, Kurt Freysleben e
Theodoro de Bona, entre outros.
Alfredo
Andersen oscilava suas preocupações entre a formação de artistas
e a capacitação do operariado para o trabalho na indústria, tendo
encaminhado às autoridades da época inúmeros projetos que
contemplavam, ora a criação de uma Escola Técnica Primária ou de
uma Escola Profissional de Arte Aplicada, ora a criação de uma
Escola de Belas Artes. Em sua opinião,
[...]
Um curso de desenho para operários traria a felicidade ao Paraná,
porque faria a grandeza das suas indústrias. Quando chegarmos a ter
pelo menos uma simples Escola de Desenho para Operários, sem falar
numa Escola de Artes Aplicadas, naturalmente mais dispendiosa,
teremos atingido a primeira etapa verdadeiramente real do nosso
progresso. (RUBENS, 1938, p. 72-73).
Infelizmente,
Andersen não teve a sorte de ter seus sonhos concretizados. Ao
falecer, em 1935, deixou sedimentadas, entretanto, as sementes que
culminariam em empreendimentos significativos, como a criação, em
1948, da escola de Música e Belas Artes do Paraná, iniciativa que
contou com a colaboração valiosa de alguns de seus discípulos.
Se
Alfredo Andersen é por muitos considerado o “pai da pintura
paranaense”, a Guido Viaro é creditado o mérito de haver
introduzido o Paraná na modernidade das artes plásticas em nível
nacional, e mesmo mundial. Numa Curitiba dominada pela rigidez formal
dentro de parâmetros do objetivismo visual dos ensinamentos de
Andersen, Guido Viaro representou a subversão às regras e o
alargamento da liberdade expressiva.
Assim
como Andersen, Viaro foi um artista por vocação que, por
necessidade de sobrevivência, veio a se envolver com o ensino,
descobrindo aí seu talento como educador. Sua obra gráfica e
pictórica, de grande importância e expressão, é um marco no
cenário das artes plásticas no Paraná. Sua produtividade fica
evidente através da participação em diversas exposições
individuais e coletivas durante todo o período em que viveu no
Brasil, além da conquista de prêmios de relevância em salões e
certames nacionais.
De
formação autodidata e possuidor de personalidade marcante, foi
através de sua influência, não só como produtor de arte, mas como
arte-educador, que os paranaenses experimentaram, embora com certo
atraso, a sua Semana de 1922, fenômeno denominado por
Adalice ARAÚJO (1971, p. 1) como Movimento de Integração
da Arte Paranaense. No campo da educação em arte, sua
atuação se deu em três diferentes frentes: com as crianças, com
os professores e com os futuros artistas. Com cada público,
perseguia objetivos distintos, não deixando de manter a coerência
de ações e pensamentos que sempre o caracterizou. Não obstante,
todas as suas ações nesse sentido concomitantes e relacionavam-se
umas às outras em sua conduta pedagógica, estando, principalmente,
ligadas pelo mesmo pensamento de que a expressão, por meio da arte,
só poderia ocorrer condicionada à liberdade. Viaro possuía uma
consciência aguda de que só a educação através da arte
humanizaria a sociedade. Acreditava que as ações deveriam ser
iniciadas pelas bases, isto é, junto ao público infantil.
Idealista, acreditava que a arte possui o poder de redimir a
humanidade.
Entre
as suas iniciativas pioneiras, destaca-se a criação, em 1937, da
Escolinha de Arte do Ginásio Belmiro César, atividade livre que
funcionava em período alternativo às aulas dos alunos. É
interessante ressaltar que essa escolinha, primeira do Paraná, é
anterior à famosa Escolinha de Arte do Brasil, dirigida pelo artista
Augusto Rodrigues e que só viria a ser fundada em 1948. Viaro foi
responsável, também, pela criação, na década de 50, do Centro
Juvenil de Artes Plásticas, instituição voltada à arte-educação
infanto-juvenil, em funcionamento até hoje. Além disso, empreendeu,
nos anos 50, os primeiros cursos de capacitação em arte-educação
para professores da rede pública de ensino do Paraná, numa atitude
precursora dos futuros cursos de Educação Artística, criados por
lei na década de 70. Como um dos fundadores da Escola de Música e
Belas Artes do Paraná, o artista teve uma atuação marcante junto
ao ensino superior de arte, revolucionando os pressupostos vigentes
ao incentivar a liberdade de expressão e a individualidade do
trabalho artístico, introduzindo o ateliê livre como opção de
formação complementar para os alunos. Sua influência alcançou
várias gerações de artistas, como Fernando Velloso, Mário
Rubinski, Domício Pedroso, Luiz Carlos Andrade Lima, Fernando
Calderari, João Osório Brzezinski, Ivens Fontoura e Eduardo
Zimmermann, entre outros.
Enquanto
Lima, Andersen e Viaro eram artistas que se viram contingencialmente
envolvidos com o ensino, Emma e Ricardo Koch podem ser considerados
exceção, por terem sido os únicos a receber formação específica
de arte-educadores, sendo seu trabalho como artistas considerado em
plano secundário se comparado à sua prática pedagógica. Atuando
em Instituições oficiais, o casal Koch soube imprimir, em cada
ação, seu pensamento pedagógico, o qual não tinha paralelo com a
realidade do ensino da época.
Emma
foi responsável pela criação do Departamento de Educação
Artística Infantil da Secretaria de Educação e Cultura do Estado
do Paraná, propondo a instituição de clubes infantis de cultura e
a assistência técnica às escolas primárias. Seu pensamento como
arte educadora tinha sintonia com as idéias de educadores como Dewey
e Piaget, cujo pensamento iria exercer, um pouco mais tarde, grande
influência sobre as práticas educacionais brasileiras. Em sua
opinião, a arte só tinha sentido se integrada com a vida. Nesse
sentido, todas as linguagens artísticas eram igualmente valorizadas.
Teatro, música e artes plásticas conviviam em suas ações em sala
de aula num processo de interdisciplinaridade tão em evidência nos
dias de hoje. Para ela, um professor deveria ter, necessariamente, um
conjunto de qualidades de ordem pedagógica, artística e humana, que
o habilitasse a ensinar o aluno a
pensar, ver e sentir por meio da expressão genuína e
individual, concebendo-o
como um ser integral, dotado de corpo, alma e mente. (Koch,
s/d.)
Emma
Koch tinha finalidades bem definidas em seu trabalho, que não
visavam encontrar na criança o artista. Buscava, através da
educação criativa, o desenvolvimento do psiquismo, da coordenação
motora, da sensibilidade para as cores e formas. Tinha, como
objetivos primeiros, desenvolver mais a criatividade do que
formar o artista; mais o ser humano do que o técnico (ARAÚJO,
1988, p. 10), valorizando a individualidade de cada criança e
buscando contribuir para o seu crescimento como ser social. Conforme
suas próprias palavras, nas escolinhas de arte, cada aluno
seria considerado uma individualidade, uma única força criadora,
que está tratando de revelar seu próprio mundo através do seu
trabalho, este servindo como um documento do seu desenvolvimento
psíquico, mental e emotivo. (KOCH, s/d.).
Em
sua atuação no Colégio Estadual do Paraná, o casal Koch se
notabilizou por seus métodos de contextualização artística no
ensino de disciplinas de caráter mais técnico como desenho
geométrico, criando estratégias de facilitação do entendimento de
conteúdos considerados muitas vezes áridos pelos alunos. Atuando
sempre em perfeita sintonia, Emma e Ricardo criaram dentro do Colégio
um ambiente favorável possibilitando que, em 1969, através de
contatos feitos com a TV Educativa do Rio de Janeiro, fosse criado,
em caráter experimental, um circuito interno de televisão. Ricardo
foi nomeado coordenador de Recursos Audiovisuais, organizando
programas com temas do currículo do Colégio, os quais contavam com
a colaboração, em cenografia e ilustração, de Emma Koch e Nésia
Gaia, que fizeram, inclusive, um curso de desenho animado para maior
adequação ao meio de linguagem. A experiência de se trabalhar com
um meio completamente novo como a linguagem televisiva dentro de uma
escola de segundo grau certamente não tem precedentes na história
da educação paranaense, fazendo dos Koch inovadores absolutos no
que se refere a estratégias pedagógicas.
Comparando
as ações empreendidas por essas personalidades pioneiras, podemos
ainda fazer algumas observações relevantes:
Com
relação às escolas formais, constatamos que Mariano de Lima e
Andersen centravam suas preocupações no estabelecimento de um
ensino de arte aplicado aos meios produtivos, apostando na
integração da arte com a indústria através da criação de
escolas de artes e ofícios. Trabalhavam com parâmetros estéticos
mais rígidos, estabelecendo um limite de criação relativamente
mais estreito aos seus educandos. Entretanto, enquanto Mariano de
Lima baseava sua prática pedagógica na metodologia praticada pela
Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, impregnada de conceitos do
neoclassicismo, Andersen dava um passo à frente, privilegiando os
estudos do natural, tanto de estúdio como ao ar livre.
Já
Viaro e Emma e Ricardo Koch centraram seus esforços na educação
infantil, acreditando ser possível, através da criança, colocar um
pouco mais de arte em nossa sociedade. Viaro, seguido por Emma e
Ricardo, foi o primeiro a perceber a necessidade de se trabalhar a
educação artística com a criança em nosso Estado. Foram ambos
partidários do princípio de que a criação deve se processar com a
máxima liberdade, e que a criança não deve ser tolhida em seus
impulsos artísticos, revelando um grande respeito à sua
individualidade. Porém, enquanto Viaro tinha um posicionamento mais
radical em favor da livre expressão, identificado com o pensamento
modernista, Emma Koch via no ensino da arte o instrumento de
integração entre arte e vida, valorizando também o conhecimento
específico aliado à experiência do aluno como elemento fundamental
para a atuação pedagógica em arte. Nisso, o trabalho educacional
da arte-educadora se identifica, de maneira precursora, com as
tendências contemporâneas para o ensino da arte e para a educação
de maneira geral, relacionadas à valorização da capacidade de
reflexão e crítica em detrimento da simples memorização ou do
fazer artístico mecânico, repetitivo ou espontaneísta.
Viaro
também foi pioneiro na iniciativa de capacitar professores,
habilitando-os para a tarefa de trabalhar arte com seus alunos, numa
tomada de consciência que só as ações em rede seriam capazes de
dar conta da disseminação de suas idéias.
Com
relação à formação de futuros artistas, encontramos algumas
diferenças fundamentais nas atuações de Andersen e Viaro,
justificadas pelo próprio lapso de tempo que separa a chegada de
ambos à nossa cidade. Fernando Calderari, em entrevista concedida à
Tereza Cristina Lunardelli Ramos, estabelece um paralelo entre esses
dois mestres:
Andersen
formou uma série de discípulos baseando-se nos conhecimentos
clássicos e na rigidez, não no sentido acadêmico das academias.
Viaro deixava o aluno mais livre. A parte espontânea do aluno era
preconizada, ao passo que Andersen[..]estava sempre dentro daquele
bom desenho. Viaro deixava o aluno fluir, tanto é que Andersen
determinou uma série de grandes artistas. Viaro vai além,
determinando também uma nova concepção de arte, pois, aí, com a
arte contemporânea pode-se fazer uma referência de Viaro em diante.
(RAMOS, 1984, p.123).
Essas
diferenças se fazem notar pela produção dos artistas que passaram
pelas mãos de um e outro. Os chamados discípulos de Andersen, mesmo
seguindo caminhos individualizados, conservam certa fidelidade
estilística ao mestre. Revelam, assim, a exigência de certas normas
para a feitura de um bom trabalho. Já entre os alunos de Viaro
percebe-se uma diversidade maior de opções expressivas, apesar de
alguns deles terem sido bastante influenciados por sua obra. Enquanto
Andersen orientava seus alunos por trilhas seguras, Viaro incentivava
a ousadia, impelindo-os a experimentar o desconhecido.
Pode-se
dizer que o processo da arte-educação em Curitiba se deu mediante a
absorção de influências externas, mais precisamente européias, e
que sua evolução não ocorreu de maneira linear mas, aos saltos. Em
seus primórdios, esteve intimamente ligado à persistência e
determinação de pessoas que entendiam ser a arte essencial para a
vida das pessoas.
Mariano
de Lima, Alfredo Andersen, Guido Viaro, Emma e Ricardo Koch. Todos
foram, cada um a seu tempo, pioneiros da arte-educação no Paraná.
A cada um deles é creditado um passo importante no ensino da arte,
necessário para que outras ações fossem desenvolvidas na
seqüência. Foram desbravadores de caminhos, enfrentando
dificuldades com a intenção de que no futuro se pudesse, mesmo em
situação não ideal, avançar no sentido da difusão do ensino da
arte e da melhoria de sua qualidade.
Graças
aos seus exemplos podemos, hoje, encaminhar nossa luta no sentido da
formação de profissionais informados e competentes que, num
processo de aprendizagem contínua, possam direcionar seu trabalho em
sala de aula no sentido de descortinar o universo artístico aos seus
alunos, num ambiente em que a busca do conhecimento, a reflexão, o
espírito crítico e sobretudo o prazer são condições
indispensáveis para que se possa processar a verdadeira apreensão
da arte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO,
Adalice. Emma e Ricardo Koch, arte-educadores e artistas
plásticos. In: SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA. Curitiba:
1988.
_____. Guido
Viaro - Pioneiro da Pintura Moderna do Paraná. Curitiba,
1971
CARNEIRO,
David. Galeria de ontem. Curitiba:
Vanguarda, 1963.
CARNEIRO,
Newton. O Paraná e a caricatura. Curitiba:
Museu de Arte Contemporânea do Paraná, 1975.
DIEZ,
Carmem Lúcia Fornari. Mariano de Lima: um
olhar para além da Modernidade. Curitiba: Museu Alfredo
Andersen, l995.
KOCH,
Emma. Notas. Curitiba, s/d.
Datilografado.
OSINSKI,
Dulce Regina Baggio. Ensino da arte: os pioneiros e a
influência estrangeira na arte-educação em Curitiba. Curitiba:
1998. Dissertação de Mestrado. Setor de Educação,
Universidade Federal do Paraná.
RAMOS,
Tereza Cristina Lunardelli. A importância de Guido
Viaro no meio cultural e artístico do Paraná. São
Paulo: 1984. Dissertação de Mestrado - Escola de Comunicação e
Artes, Universidade de São Paulo.
RUBENS,
Carlos. Andersen: Pae da Pintura
Paranaense. São Paulo: Genauro de Carvalho, 1938.